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Uma Agenda para seguir Mudando

Como disse a presidenta Dilma em um dos debates destas eleições, tratando do tema da independência do Banco Central, quem elege o presidente elege também uma política econômica.
Claro que os descontentes têm todo direito de questionar, faz parte da democracia. Nesta manhã de segunda-feira o mercado financeiro já iniciou seu protesto elevando o preço do dólar e derrubando a cotação das ações na bolsa, especialmente das empresas estatais.
Mas o fato é que as urnas não optaram pelo projeto que o mercado financeiro queria, que passaria por um ajuste fiscal recessivo e elevação dos juros, com a conta do ajuste recaindo sobre os trabalhadores. Foi eleito o projeto que defende uma condução da política econômica que privilegia a manutenção do elevado nível de emprego e o desenvolvimento econômico com distribuição de renda.
A inflação perto do teto da meta não deve ser combatida com elevação dos juros e ajuste fiscal, pelo simples motivo de que este remédio amargo é indicado para uma situação de excessivo aquecimento da economia pelo lado da demanda, e não se pode dizer que estamos num cenário deste tipo, a julgar pelos dados sobre a atividade econômica. Um ajuste fiscal neste momento lançaria o País numa recessão. Numa perspectiva de curto prazo, o fato de a inflação estar próxima ao teto da meta neste ano é uma combinação de choques de oferta com a permanência de mecanismos de indexação, e deve retroceder ao longo dos próximos meses.
A parcela da inflação dos últimos anos que se poderia atribuir à ampliação da demanda tampouco se encaixa numa interpretação tradicional-ortodoxa do fenômeno inflacionário: a elevação de preços de alimentos e serviços acima da inflação é resultado de uma mudança na estrutura da distribuição de renda promovida nos governos Lula e Dilma, com ampliação do mercado consumidor pela ascensão de uma ampla parcela da população antes excluída. Portanto, tal inflação deve ser vista como uma mudança de preços relativos dos bens de consumo de assalariados (que necessariamente se manifesta como inflação, já que os demais preços não caem), e não como o retorno a uma situação de inflação crônica, como a oposição quis fazer a população acreditar durante a campanha eleitoral.
Neste sentido, este tipo de inflação reflete antes algo positivo: a melhoria da distribuição da renda tem feito com que o mercado atribua um valor relativo mais elevado aos bens de consumo dos trabalhadores, que é o mecanismo que incentiva os empresários a ampliarem a oferta destes itens.
A insistência de muitos em analisar a inflação apenas sob o seu aspecto conjuntural, sem levar em conta as mudanças estruturais que ocorreram na economia brasileira nos últimos 12 anos, leva a propostas equivocadas para a condução da política macroeconômica. Assim, deve-se fugir do viés curto-prazista para se preocupar com as questões estruturais e a questão estratégica do desenvolvimento no longo prazo.
Elenco aqui algumas questões estratégicas que, em minha opinião, a condução da economia no segundo mandato da presidenta Dilma deve considerar.
A primeira, já mencionada, é que o combate à inflação deve ser feito tendo em mente uma perspectiva de que boa parte da nossa inflação recente é provocada por mudanças estruturais na distribuição de renda e na estrutura da demanda, retroalimentada pela permanência de mecanismos de indexação que conferem inércia e propagam os choques, inércia esta presente especialmente nos chamados preços administrados. Para uma inflação deste tipo, os remédios ortodoxos, que só miram o curto prazo, são prejudiciais ao crescimento e à geração de empregos. Assim, o ideal seria uma mudança no regime de metas para que a meta seja para períodos mais longos, e não para o ano-calendário, como é hoje.
A forma atual do regime de metas de inflação implica um viés para a manutenção de elevadas taxas de juros de curto prazo e apreciação cambial. Uma meta fixada para prazos mais longos permitiria manter em patamares mais baixos a taxa de curto prazo visando o crescimento, além de reduzir sua volatilidade.
Entre outros benefícios, a manutenção de uma baixa e estável taxa de juros de curto prazo incentivaria a gradual migração dos fundos fechados de previdência privada, que hoje movimentam uma poupança financeira de cerca de R$ 700 bilhões, do financiamento da dívida pública de curto prazo para investimentos em infraestrutura, com a negociação das devidas garantias. Este movimento começou a ser discutido em 2012, quando a taxa SELIC chegou no patamar de cerca de 2% em termos reais, levando à dificuldades para os fundos de cumprirem suas metas atuariais de rentabilidade, mas saiu da pauta com a reversão da direção da política monetária.
Outro aspecto importante é o sucesso do modelo de desenvolvimento recente, em que a distribuição da renda via políticas sociais e elevação do salário mínimo, associada à elevação dos investimentos públicos e à expansão do crédito, se converteram em potentes motores do crescimento pela forte ampliação do mercado interno. As engrenagens deste modelo apenas foram interrompidas pela crise internacional. Desta forma, é necessário que o governo siga neste rumo, ampliando as políticas distributivas e os investimentos públicos para garantir um mercado interno dinâmico e seguir incluindo mais brasileiros no mercado de consumo de massas.
O funcionamento deste motor do crescimento baseado na demanda interna deve ser combinada com o ajuste gradual da taxa de câmbio e uma política industrial que leve em conta uma visão estratégica da inserção internacional do País, para evitar o vazamento deste impulso para o exterior na forma de déficits em conta corrente, para que sejam gerados emprego e renda internamente.
As desonerações aos empresários realizadas no governo Dilma, no âmbito do Plano Brasil Maior, se mostraram pouco eficazes em elevar os investimentos privados. Em muitos setores, apenas perrmitiram um respiro dos empresários para recompor suas margens, comprimidas pela forte concorrência externa, especialmente da China. Esta eficácia é ainda menor se compararmos os resultados obtidos com os seus custos fiscais. Seria mais desejável que o governo utilizasse estes recursos na ampliação dos programas sociais ou na elevação dos investimentos públicos, garantindo a melhora da infraestrutura e a demanda para estimular o aumento do investimento privado.
Outra questão fundamental a se avançar pelo lado fiscal é a melhoria da distribuição da renda não apenas pelo lado do gasto, que já tem sido levada a cabo pelos gastos sociais, mas também pelo lado da arrecadação. Não mudamos quase nada nos últimos anos com respeito à nossa estrutura tributária, cuja arrecadação está concentrada em impostos indiretos, de maneira que os mais pobres têm uma carga tributária mais elevada que a dos ricos. É urgente e necessário iniciar o movimento de redução dos impostos indiretos e tributar mais a renda e a riqueza.
Esta agenda econômica, apesar de sua importância, não pode caminhar sozinha se queremos avançar nas mudanças. Ficou bastante claro, pela forte polarização nestas eleições, que os setores conservadores da sociedade estão descontentes com as mudanças introduzidas nos últimos anos, com a redução das desigualdades e a forte inclusão social. Reclamam de não conseguirem encontrar empregadas domésticas e porteiros dispostos a trabalhar pelos salários miseráveis de outrora, por causa dos programas sociais e da forte elevação do salário mínimo. Reclamam que os aeroportos, antes acessíveis apenas aos privilegiados, hoje estão tomados por gente simples que tem uma vida mais digna pois tem emprego e renda estáveis.
Portanto, além da agenda econômica, há a meu ver outros três pilares que devem orientar o segundo mandato da presidenta Dilma. O primeiro, já anunciado pela presidenta em seu primeiro discurso após o resultado do pleito, é uma reforma política que reduza a influência do poder econômico sobre a condução do País, fazendo com que o resultado das eleições, com o projeto vencedor, possa ser de fato levado à frente tanto no poder executivo como no legislativo.
O segundo é a ampliação dos mecanismos de democracia participativa, já oficializada pelo recente decreto da presidenta que instituiu o Compromisso Nacional com a Participação Social, mas que tem sofrido forte oposição dos conservadores, que não compreendem que a democracia participativa, além de estar prevista na Constituição, não substitui a democracia representativa, mas a complementa e a aperfeiçoa, ao aproximar os governantes eleitos (os representantes) das demandas concretas da população(os representados).
E, por fim, a regulamentação econômica da mídia, já defendida pela presidenta nesta campanha eleitoral, para quebrar os poderosos oligopólios, extremamente perniciosos para a democracia, pois interditam o debate livre e amplo de ideias, e permitir o acesso aos meios de comunicação por parte de vários setores que hoje não encontram espaço para exprimir suas opiniões.
Creio que esta seria uma agenda que permitiria à presidenta Dilma seguir mudando o País na direção de um Brasil mais próspero, justo e inclusivo.
Por Rodrigo Alves Teixeira, Doutor em Economia, professor do Departamento de Economia da PUC-SP e secretário-adjunto de Planejamento, Orçamento e Gestão da Prefeitura de São Paulo. Publicado na Carta Maior.

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