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Campanha eleitoral e SUS: a distância entre o discurso e a prática

Os brasileiros irão às urnas em 2014 para eleger presidente da República, governadores, senadores, deputados federais, estaduais e distritais. As eleições, que ocorrerão em primeiro (dia 5/10) e segundo (26/10) turnos, trarão alguns temas já velhos conhecidos do eleitor, como segurança, combate à corrupção, moradia e, é claro, saúde.
Alguns candidatos se revezam em críticas ao Sistema Único de Saúde (SUS), apresentando propostas às vezes mirabolantes, mostrando um profundo desconhecimento sobre o funcionamento do Sistema. O eleitor, em sua grande maioria, usuário, que na ponta do serviço sente os efeitos dos problemas de atendimento, tende a concordar com o candidato.
Para piorar o quadro, o brasileiro vê seus principais governantes e líderes sempre recorrendo à iniciativa privada quando estão com problemas de saúde. Eles não usam o SUS? Como podem propor melhorias em um sistema do qual não fazem uso?
Para José Noronha, pesquisador do Icict, professor do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict), e um dos organizadores do Projeto “A saúde no Brasil em 2030: diretrizes para a prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro”, “o fato de líderes políticos buscarem atendimento em hospitais privados de renome apenas ilustra com vigor o quanto precisamos avançar na melhoria da qualidade do sistema de saúde público que atende 3/4 da população brasileira”.
O tema está em alta e os pesquisadores da área têm se manifestado publicamente sobre o que chamam de “uso eleitoreiro” da saúde. Em artigo para o jornal O Globo publicado no dia 17/03, “O SUS no palanque”, a conselheira da Abrasco e pesquisadora da UFRJ Ligia Bahia cobrou, dentre outras coisas, que “candidatos deverão responder se eles e seus familiares são ou pretendem se tornar usuários do sistema”.
Em entrevista ao site do Icict, José Noronha fala sobre o tema e alerta que este é o momento de se lutar por um SUS mais inclusivo. E aproveitou para divulgar o documento que o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), do qual é membro do conselho consultivo, produziu e que dará origem a um outro que será encaminhado, juntamente com a Abrasco e outras entidades, a todos os candidatos a presidente da República.
Teremos eleição, em 2014, para presidente da República, deputados federais, estaduais e distritais, senadores e governadores. O senhor crê que, em uma eleição dessa envergadura, há algum impacto sobre as políticas de saúde como um todo adotadas no Brasil?
Certamente. Desde a redemocratização do país o resultado eleitoral teve grandes consequências sobre as políticas de saúde. A composição da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 deixou-se permeabilizar pelas aspirações reformistas que haviam brotado da 8ª Conferência Nacional de Saúde e do amplo movimento da Reforma Sanitária Brasileira que envolveu amplo espectro de intelectuais, profissionais de saúde e movimentos populares. O resultado foi a inscrição na Constituição da organização da Seguridade Social e, no artigo 196, do direito à saúde, do entendimento da saúde como resultado de políticas sociais e econômicas e da afirmação de um sistema de saúde universal e igualitário.
O ascenso das forças conservadoras no final dos anos 1980, traduzido no resultado das eleições presidências de 1989, abriu espaço para o crescimento das políticas de corte neoliberal, com as políticas de privatização e subfinanciamento das políticas sociais. As eleições de 1994 levaram ao poder uma coalizão ainda mais fortemente privatista, de privilégios aos setores rentistas da sociedade e ao agravamento da iniquidade social e redução do financiamento federal às políticas sociais, entre as quais a de saúde. Esse quadro só começa a se reverter a partir das eleições de 2002 quando é estancada a alienação do patrimônio público e tem início uma forte política de redistribuição de renda. O impacto na saúde é traduzido pela melhoria pela redução da mortalidade infantil, aumento da esperança de vida e ampliação do acesso da população, sobretudo de baixa renda, aos programas de atenção básica e saúde da família.
E quanto aos gastos públicos para a saúde?
Esses avanços, entretanto, não foram acompanhados de uma necessária ampliação dos recursos para financiamento das ações e serviços de saúde. Tampouco, a coalizão de governo não permitiu que se rediscutissem os crescentes subsídios diretos e indiretos ao setor privado do setor que ampliou significativamente sua participação nos gastos totais em saúde. A estrutura fiscal do país continua fortemente regressiva e os gastos governamentais comprometidos pelo pagamento de juros e encargos de uma dívida pública gigantesca.
A despeito dessa apropriação significativa do gasto público, as forças conservadoras crescem em vigor em busca da captação dos recursos, comprovadamente escassos, hoje destinados a reduzir a grande brecha social ainda prevalecente no país. Incansáveis, também desenvolvem estratégias para a privatização do patrimônio estratégico ainda em mãos do Estado brasileiro. As eleições deste ano são cruciais para que o preceituado em nossa Constituição não seja ainda mais agredido e que se possa avançar na afirmação da saúde como direito e não como mercadoria.
Em todas as eleições, os candidatos aos cargos repetem o mesmo mantra: “aumento dos gastos para saúde e melhora na gestão”. Contudo, como observou a profa. Lígia Bahia, da Abrasco, em artigo publicado na grande mídia, “Os mais recentes presidentes da República e diversos governadores foram e são atendidos, independentemente do local onde exercem seus mandatos, em hospitais privados paulistas”. O senhor crê que essa forma de agir dos candidatos políticos influenciariam à ideia negativa que a população tem do SUS?
O problema não é enunciar que é preciso “aumentar gastos e melhorar a gestão”. O eleitor tem plenas condições hoje de julgar se seus governantes e representantes parlamentares têm cumprido suas promessas eleitorais. As eleições, apesar das distorções decorrentes do fato de não termos ainda empreendido uma grande reforma política e garantido o financiamento público eleitoral, constituem-se numa oportunidade significativa de influenciar os rumos das políticas sociais e econômicas do país.
O fato de líderes políticos buscarem atendimento em hospitais privados de renome apenas ilustra com vigor o quanto precisamos avançar na melhoria da qualidade do sistema de saúde público que atende 3/4 da população brasileira. Com mais vigor revela a iniquidade de nosso sistema de saúde e de nossa sociedade e deve reforçar o ânimo de tantos quantos lutam pela construção de uma sociedade mais justa e solidária.

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